- Oi.
- Oi.
- Você veio sozinho?
-Sim.
- Pois então cuidado. Aqui é como uma jaula de leões.
Esses dias, vi uma matéria que trazia como tema as boates históricas da cidade que já não existem mais. Em tempos de transições culturais cada vez mais aceleradas e pós-pandêmicas, nada mais pertinente que atrelar esta escassez à geração Z e seu baixo interesse pelo consumo alcoólico, o que presumo não ser exatamente a questão. O Mercado Novo e a Rua Sapucaí servem hoje como grandes polos para a vida noturna jovial da cidade, salvo quando não estamos numa época carnavalesca (BH também caminha para o título de grande capital do carnaval). A verdade é que os hábitos mudam, e o capitalismo vai se readequando a eles. Nas memórias dos não tão velhos assim (afinal, não estamos falando sequer de vinte anos atrás), ficam aqueles momentos em que a gente tinha como grandes points e refúgios queer as boites e suas baladas tuts tuts, a Josefine/Roxy, Mary in Hell, Velvet, Estação 2000, Andaluz e Fifty (isso só para citar algumas).
Belo Horizonte sempre carregou este conceito de capital em constante transformação, seguindo à risca os moldes progressistas, deixando muito pouco de sua história preservada no âmbito territorial. Haviam cinemas de ruas que hoje são igrejas e lojas eletrodomésticas (estariam as boates neste lugar de nostalgia que outrora foram dos cines?), Startups vem para fazer experimentos sociais de mercado: se ontem havia ali uma sorveteria inovadora, hoje ela não existe mais; antes aquele era um bar conceito que durou pouco mais de mês, tornando-se lembrança de um passado próximo. Ali outrora foi um momento de existir em meio a penumbras esfumaçantes e olhares voluptuosos que flertavam num acaso permissivo.
Pintei o tríptico "Jo" carinhosamente como uma ode à tantos momentos em que o remix da Rihanna bateu o cabelo descendo até o chão, drags e gogos potentes entregando ao vivo mais que Rupaul num telão, e principalmente, ah sim, nights que davam mais matchs que Grindr.
Certo dia voltando do trabalho, passo em frente ao local onde outrora foi uma boate. A Josefine, após anos e resistindo com ajuda de aparelhos, agora lotou ou loteou um trator, irrompendo em paredes glossy e escombros de neon.
